Sunday, March 06, 2005

Bits, elétrons e átomos

Se o leitor acompanha a Folha de São Paulo, sabe que é raro encontrar uma edição em que somente um colunista critica a taxa de juros. A rejeição às sucessivas altas da Selic parece ser um sentimento generalizado na sociedade - exceto entre os membros do Copom e um ou outro economista da PUC-RJ. Eu avisei no primeiro post deste blog que pretendia falar sobre um monte de assuntos sobre os quais eu na verdade não sei quase nada. Economia não é exceção. Mesmo.

Disclaimer feito, voltemos ao assunto. A taxa é alta para tentar forçar uma baixa na inflação. O Banco Central fixa um valor desejado para inflação, divulga-o, e passa o resto do ano regulando a Selic (taxa de juros básica da economia). Mas isso não funciona lá muito bem, como é denotado pela posição brasileira de líder no ranking mundial das taxas de juros. Isso se dá, entre outras razões, devido ao alto peso dos preços adminstrados nos indíces de inflação.

Preços adminstrados são aqueles que não são determinados pela dinâmica de mercado, mas direcionados pelo governo. Em geral correspondem aos chamados monopólios naturais, como os sitemas de saneamento, telecomunicações e energia. Estes serviços correspondem a uma parcela importante do mercado consumidor e influenciam a formação de preços de quase toda economia. No Brasil, o processo de privatização culminou em contratos que estabelecem reajustes regulares dos preços destes serviços; portanto não podem ser influenciados por variações nas taxas de juros. Vamos tentar analisar o quão naturais são, realmente, estes monopólios.

O fim da abundância de água potável no planeta é alardeado pelos ambientalistas. Esta realidade, aliada a dificuldades logísticas intrínsecas, torna praticamente impossível algum modelo de competição para o setor. Qualquer que seja o modelo de negócios, envolverá, necessariamente, uma participação pesada do governo.

No ramo da eletricidade, hoje, a logística também é um grande limitador. A infra-estrutura de postes e linhas de transmissão é caríssima, para não falar nas usinas de "geração" em si. Mas o caso é bastante diferente do saneamento, visto que, enquanto que o consumo de água é literalmente vital, ninguém usa realmente a eletricidade(1). Ela é, tão-somente, um meio de transmissão de energia. Nas usinas esta é transformada de algum estado original, como a energia química do petróleo, em elétrica(2). Na outra ponta, na sua casa por exemplo, a energia elétrica é transformada novamente em alguma forma útil. Seguindo com o exemplo, esta poderia ser a energia do movimento das pás do ventilador, que torna possível a vida em lugares inóspitos como São Paulo. E daí? Daí que qualquer sistema mais eficiente para transformar alguma forma "natural" de energia em outra que seja útil para os usuários pode revolucionar a indústria. É claro que isso não é fácil e, provavelmente, a eletricidade como um intermediário estará presente. Mas aqui temos um setor onde modelos competitivos são possíveis dadas as necessárias inovações tecnológicas. Infelizmente eu creio que tais inovações são do tipo que demoram para serem criadas e depois demoram ainda mais para serem adotadas. Em resumo, existe luz no fim do túnel, mas este é longo...

Chegamos enfim ao lucrativo mercado de telecom. A lucratividade advinda da condição de monopólio natural era inevitável quando este mercado se definia por "transmitir ondas sonoras entre localidades distantes usando variações de voltagem em fios condutores". Mas hoje é patente que uma definção mais correta do setor seria "transmissão de informação entre pontos distantes". O problema para as teles é que transmitir bits é fácil - muito mais fácil do que energia elétrica ou átomos de água. A informação pode viajar através de ondas de rádio, pulsos de luz, sinais de fumaça, etc, etc... A conclusão lógica é que o papel do governo neste "novo" mercado da "transmissão de informações"é desmontar as regulamentações da época do "transporte de ondas sonoras" e deixar a mão invisível dar um tapa na bunda das empresas que não se adaptarem.

Se a memória do leitor for parecida com a minha, neste momento você já deve ter esquecido do disclaimer, então vou repetir: eu não entendo nada de economia. Take everything I just wrote with a huge grain of salt.



(1) Eu sei que correntes elétricas fazem parte da maquinaria do sistema nervoso, mas não precisamos enfiar o dedo na tomada para ter um pensamento. Pelo menos na maioria das vezes.

(2) Energia de movimento (cinética) dos elétrons.

1 comment:

opbest said...


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(freaky)