Wednesday, May 25, 2005

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Faz muito tempo que não faço nenhum post nesse papel higiênico digital, então resolvi escrever alguma coisa antes que se declare extrema-unção ao blog. Pensei em abordar algum tema técnico, mas agora não tenho muito a contribuir às discussões que tenho acompanhado (SOAP vs REST, dinâmico vs. estático, livre vs. proprietário, smalltalk vs. lisp, IoC vs. Service Locator, ...). Então resolvi viajar. Não me responsabilizo pelos efeitos à saude mental dos leitores que as próximas linhas possam vir a provocar.

Eu já quis acreditar em Deus. Mais recentemente, eu quis acreditar na ciência. Tentarei explicar porquê falhei nestas aspirações e hoje não acredito em nada. Eliminar a religião é simples: os conjuntos de crenças (dogmas) que compõem todas as religiões que conheço são simplesmente incoerentes. E as tais "interpretações não literais" dos escritos sagrados, ao meu ver, não passam de estudos de literatura ficcional. Podem ser bons estudos de ótima ficção, mas não têm conexão real com filosofia. Notem que eu tratei de religião, não de gnosticismos pouco dogmáticos.

A ciência é um processo de sucessivas construções e refutações de modelos preditivos. Essencialmente, se estabelece algum esquema teórico para prever resultados de experimentos, este esquema é testado observando-se instâncias "reais" de experimentos até que se afira um resultado diferente do previsto; a partir daí novos esquemas são desenvolvidos e o proceso segue indefinidamente. Problemas? Um deles é a constatação que os resultados das observações se adequam a infinitos modelos preditivos (teorias). Imagine, por ilustração, que o oxigênio que você respira, por um instante, enquanto ninguém está medindo, se transforme em um gás venenoso letal. E mais, neste mesmo instante, o seu corpo passa a ser capaz de respirar este veneno com o mesmo efeito que o oxigênio tinha antes. Loucura? Provavelmente, mas o fato é que este cenário absurdo é, a rigor, tão válido quanto o pintado pela ciência tradicional. Uma tentativa de contornar este problema é apelar para a lâmina de Occam, princípio que reza "a explicação mais simples é sempre a mais verdadeira". Ou seja, o método científico toma refúgio no abraço terno da subjetividade...

Mas existem problemas mais fundamentais. O maior, ao meu ver, é o que chamo de problema da premissa. É absurdamente simples e não tenho dúvida que já foi levantado, e provavelmente melhor nomeado, inúmeras vezes antes. Não obstante, eu não consigo enxergar uma saida para o labirinto de paradoxos trazidos por esta questão extremamente direta: se o pensamento racional é basicamente uma cadeia de deduções, de onde vem a primeira premissa? Dado que não somos infintos então certamente há uma premissa, ou um conjunto delas, que são base para todo o resto do raciocínio. Uma delas parece ser a própria noção que o raciocínio dedutivo preserva a verdade das proposições. Outra pode ser o conceito binário de verdade/falsidade. Creio que este conjunto basal é indeterminado, pois ele afeta o próprio processo de sua identificação. E mesmo sem identificá-lo eu me pergunto por que devemos acreditar nestas premissas. Afinal, por que as proposições são ou verdadeiras ou falsas? Por que a dedução é uma regra de inferência válida? E se não fosse? É concebível a existência de entidades, ETs se o leitor gosta dos exemplos extravagantes, cuja lógica fosse fundamentalmente diferente da nossa.

A objeção imediata a toda esta minha argumentação é que não podemos usar a razão para refutar a própria razão. Isto é um paradoxo. Mas a existência mesma deste paradoxo e de tantos outros que afloram ao tratar destas questões corrobora a minha tese de que não se pode, com rigor máximo, acreditar em nada.

A conclusão é o niilismo. Eu fugi deste termo por algum tempo, mas hoje não vejo opção senão aceitá-lo. Eu, sinceramente, gostaria muitíssimo de estar errado.